quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Gentes Estranhas

A ignomínia da soberba é geralmente mais nociva que aquela que é originada na educação. Ou na falta desta. Dividem, conquistam e governam assim os vendilhões, falsos profetas, fanfarrões, galifões. Esses filhos da puta, grandes cabrões.

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Entranhas



Ah, doces Entranhas
Florais Cartas Foral,
Existências comprometidas
Sem compromisso,
Alocadas, resignadamente,
A essa sensação pífia pérfida,
Tangente a essa gente que sente
Sanção premente, Ser,
Essa coisa, cuja marca se faz notar,
Mais na presença ausente da perda,
Do que pela pura e simples inexistência.
Ah… As Entranhas...
Lixo. Sentimentos.
Bacocos rococós burlescos.
Lóbis de chocolates.
A sua abominável e intangível feição,
Canção de céu e mar,
Traja desgosto, mágoas,
Efémeras carcaças,
Fenómeno metafísico, execrável, cruel.
Figura-se castigo por existir,
Proclama-se sádico, se não chega.
Assume-se se já se foi.
Papel.
Ah... Entranhas...
Entranhas minhas...
Fogo ácido da minha carne.
Esgoto se sente, no desgosto.
Estruma-me a alma,
Esperança nas novas ilusões,
Por germinar.
Tristes e enfadonhos relatos.
Aborrecem-me, de tanto me aborrecer.
Relatos estes me ensinaram:
Vida vã, sentir.
Relatos das entranhas.
Estranhos. Entranham-se.
Se contorcem elas sobre eles
(entranhas sobre os relatos, salvo seja!)
Se contorcem sobre repugnantes crostas, nojentas
Teimam estas em não cicatrizar,
Ora crosta, ora carne,
Alma aberta, esvaída na fome sedenta,
Susto e Medo.
Ah... Entranhas...
Vísceras minhas.
Manifestadas já as existências,
Desse asqueroso paquiderme na sala.
Espasmos de alma, peito e carne.
Assim nos compra. Ele.
Promessas eternas, ilusão,
Onirismo, Ilusionismo, Surrealismo,
Tosco e Patético, Feliz Lirismo.
Entranhas essas... Pesado os pagam a todos.
A todos.
Preço visceral que se entranha nas Entranhas.
Palpitações.
Revoltam-se as entranhas, revoltas.
Resulta sempre afinal,
Naquilo que produzem sempre.
As entranhas.

Cano(n)s.

quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Lobinha


A minha Lobinha já não está.

A minha Lobinha hoje deixou-nos.

A minha Lobinha hoje passou a estar definitivamente apenas em memória e pensamento.


Apenas uma memória. Apenas porque não mais poderei voltar a dar-lhe aqueles mimos que a deleitavam, qual princesa. Apenas uma memória porque não mais posso voltar a dizer-lhe ao ouvido esquerdo o quanto gosto dela, recebendo em troca os mais doces beijos e mimos. Agora apenas uma memória. Uma memória e uma dor que estou certo o tempo não apaga..

A minha Lobinha hoje deixou-nos...

Floppy, era o seu nome. Nome que parecia aludir à sua fabulosa memória para caras, cheiros, sons e manhas.

Perto dos 15 aninhos aquela menina saltava, brincava, ladrava, ralhava e corria como um cachorrito! Aqueles olhos mais que expressivos, mais que humanos, desarmavam qualquer um que lhe tentasse ralhar. Esse olhar escondia também a verdadeira idade proveta com que ela já contava, 16 aninhos...


Gulosa todos os dias! Era uma pedinchas de iguarias, mesmo que fosse  apenas um miolo ou côdea de pãozinho. Havia que reivindicar a sua presença e o direito a algo mais que apenas a sua ração do dia-a-dia, enfadonha. Não! Mesmo o patê ocasional ou o dentastix não eram regalo suficiente para o seu paladar burguês ultra-apurado! Nada disso! 
Não era preciso um descuido muito grande para ficar sem um bife, um fígado ou brócolos, desde que ela estivesse presente. Sempre com aquele magnífico olhar guloso, em que os olhos ficavam ainda maiores e frequentemente um ar meio de gozo, meio de santinha, estilo "não é nada comigo".

Há uma história deliciosa previamente a tê-la conhecido, em que arrastou um banco para poder trepar para as estantes de uma despensa onde se deleitou com chocolates! A sua dona, mãe extremosa da menina Floppy andou noite fora a passeá-la por indicação veterinária para gastar aquele excesso de energia, pois o chocolate é altamente desaconselhado a cães.


A história da sua adopção em bebé sempre me deleitou: a mãe dela adopto-a em um canil, vinha a bebé Floppy toda suja dentro de uma caixa de ovos… e já na altura era refilona mas extremamente meiga, tendo atacado com beijinhos e muita sujidade aquela que a adoptou e se tornou a sua mãe e companheira durante toda a sua vida. A Floppy vinha doente e cheia de pulgas, mas nem tamanho tinha para levar pipeta. Foi guerreira. Foram as duas. Mãe e filha agora inseparáveis e com um início de história tão atribulado. O trabalho foi penoso para a sua mãe que a resgatou de ser consumida pelos bichos, descobrindo que a Floppy tinha na verdade uma série de alergias, pois no processo de limpeza da bebé caiu-lhe todo o pelo, ficando a pele em chaga. Quem conheceu a Floppy adulta apenas dificilmente terá essa imagem: pelo liso e mais que sedoso! Um peluche!




Também as histórias de assaltos ao caixote do lixo, de forma descarada e desenvergonhada, incluindo uma em que agradeço por não lá ter estado: assaltou o caixote lixo com restos de peixe assado, durante a noite. A cozinha ficou um reboliço e encontraram a menina Floppy de barrigão, deitada de lado estilo lontra, com um ar mais que saciado e guloso, mordiscando ainda o resto de umas espinhas com cabeça. O cheiro que a menina apresentou nos dias seguintes foi algo pouco agradável de descrever.

Uma das últimas que lhe conheci, o único bife em casa pronto a ser consumido pela sua dona, foi apanhado à traição pela gulosa, que quando lhe tentou arrancar o bife da boca, a Lobinha com ar de Santa desentendida simplesmente engoliu sem mastigar. Gourmet.

Ralhava muito quando não lhe dávamos a atenção que era dela por direito. Era uma gaiteira que gostava de passear e sentir todos os cheiros com aquele nariz que parecia de um boneco de peluche, que abanava todo como um fuso. Não me esqueço uma noite de passeio, que para ela era a melhor hora dos cheiros, adorando sempre cheirar os caixotes do lixo, ao passar de um camião do lixo, esboçou uma expressão alegre e sorridente, olhando-nos de soslaio num primeiro instante, depois directamente, parecia que lhe tinha chegado um Natal antecipado. Ali passava o que era provavelmente o equivalente a uma carrinha de gelados para as crianças...

Nos meses todos que antecederam a primeira vez que entrei na sua casa, ela ladrava, ralhava, desafiava e ficava confusa por eu não subir nem entrar com ela para a sua casa. Chegou a haver vezes em que já a subir as escadas voltou a correr para a rua a chamar-me, vendo que eu não subia, quis brincar mais tempo comigo até se cansar... Então subiu…

Quando subi pela primeira vez as escadas com ela, ladrava como quem não acreditasse, mas chamava-me como se me quisesse mostrar o caminho. Quando cruzei a porta pela primeira vez, seguiram-se os vinte minutos em que eu a vi mais histérica em todo o tempo que estive com ela: vinte minutos da Floppy a ladrar, correr a casa toda, saltos e pinotes, desafiar para brincar, deitava--se a desafiar-me, puxava-me, beijinhos, beijinhos e beijinhos, mais latidos, mais beijinhos, mais saltos e corrida pela casa. Provavelmente a maior demonstração de amor e afecto que alguma vez me foi feita. Não vai dar nunca para esquecer. Vinte minutos dos mais surreais. A minha Floppy...



Adorava longos serões encostada a mim, no maior mimo, ou simplesmente a dormir, sentindo que eu estava ali e tomava conta dela... Ressonando mesmo por vezes… A descarada!! Os bocejos e estalar de boca mais pachorrentos, deliciosos e honestos que já vi…

A Floppy tinha terror do Metro de superfície. No entanto, mesmo cheia de medo quando nos acompanhava até uma paragem, gania de preocupação sempre que me via a entrar em um metro. Era aflitivo e amoroso de se ver ao mesmo tempo. Minha linda. Era uma medrosa! Tinha medo de varejeiras! Quando ouvia uma ficava logo alerta e de fininho ia-se esconder na casa de banho! !
Era uma simpatia para todas as pessoas no geral, com um olhar tão meigo e simpático que raramente na rua não havia quem não se encantasse por ela. Ela cobrava isso, reclamando sempre os miminhos que lhe eram devidos por direito de fofura à nascença.

Para os outros cachorros é que era um mau feitio!! Aos do mesmo tamanho e aos grandes, eriçava-se, ralhava e queria-os todos à distância! Poucos cães deixava ela que se aproximassem dela. Já aos cães pequenos e miniaturas a pilhas tinha medo. Até tentava atravessar a rua quando via um na sua direcção!

Como la adorava deixar o seu nariz e orelhas ao vento, a sentir os cheiros e a receber as mais diversas mensagens dos outros cães, fosse no ar, fosse nos postes e canteiros...

Menina mais expressiva e humana... No dia em que me conheceu puxou a trela na minha direcção, espalhando charme e simpatia com aquele focinho lobito. Foi encanto ao primeiro contacto. Foi paciente e ajudou a ensinar-me como fazer os mimos nos sítios certos. Valeu a pena! Chegou a deixar-se cair a dormir às minhas mãos com miminhos.

Era uma verdadeira princesa… Nunca conheci cadelinha que fizesse questão de todos os dias dormir de almofada, em pose de miss cocktail! Além da destreza mental para se entrincheirar dentro da cama, debaixo dos lençóis e edredons! Já para não falar da leveza e graciosidade com que ela arrastava as mantas ou outros agasalhos que lhe agradavam para se tapar...

Passaria dias a escrever sobre ela e ainda ficaria tanto por dizer… O essencial...

Desde que a vida nos afastou, não houve um único dia me que não pensasse nela várias vezes, com as saudades a corroer o peito. Chorando por dentro. Por fora, quando não conseguia mesmo mais aguentar.

Não me era possível voltar a vê-la, faz mais de nove meses.


Durante todo este tempo ignorei a sua sorte, temendo sempre o dia em que esta notícia chegasse... Infelizmente 16 anos já inspiram cuidados e preocupações num companheiro de 4 patas…


Ensinou-me tanto… Ajudou-me a voltar a aproximar emocionalmente dos animais, parede levantada há muitos anos, exactamente por medo de sentir mais estas perdas, assim como por não ter oportunidade de ter companheiros de 4 patas...

Provavelmente as maiores demonstrações de confiança, amor e entrega foram-me oferecidas por ela. Por muito que eu saiba que ela sentia o que gostava dela, sinto que lhe dei tão pouco, quando ela me deu tanto. Sinto que provavelmente não lhe consegui transmitir mais e mais vezes tudo o que ela significa para mim.

A mera ideia de saber que ela estava connosco e que isso fazia da existência algo bem melhor e mais caloroso... Agora a ideia de que ela simplesmente não existe mais, é-me insuportável de conceber, mesmo estando já à distância por tanto tempo.


Não tenho palavras para descrever o que sinto e a falta que ela me faz.. que me fará sempre... Floppy, a minha Lobinha…


Gostava de a imaginar agora em um sítio assim...



Gentes Estranhas

A ignomínia da soberba é geralmente mais nociva que aquela que é originada na educação. Ou na falta desta. Dividem, conquistam e governa...